19 de jul. de 2015

Fala Tracer! - Ruda - Jogos

Coluna "Fala Tracer!" dessa vez com Rafael Santiago (Ruda), em que aborda um pouco de sua visão sobre jogos, competições, prêmios e suas relações com o parkour. Em um momento em que cada vez mais modelos competitivos envolvendo parkour aparecem, refletir sobre essa situação é muito importante para sabermos a qual caminho "o "parkour  está tomando. 

E você, o que acha? 

Caso queira, comente, fale, compartilhe, e escreva pra gente. Fala Tracer! é uma coluna aberta a qualquer praticante.

Abs


Jogos são um modelo de competição, e jogos são uma grande fonte de diversão. A competição, portanto, tem sua parte divertida, também tem sua parte de aprendizado, estimula o raciocínio, caso seja em grupo, a interação e o pensamento coletivo... dificilmente um grupo irá bem, se seus membros não souberem chegar a um acordo, aprender como fazer isso é muito legal.

O que não apoio é o endeusamento dos vencedores. "Pra alguém ganhar, alguém precisa perder", esse é o momento que pra mim você cria um perdedor, e não quando a competição termina. Sendo mais explícito, é quando você quer classificar o desempenho de um indivíduo/grupo através de um sistema numérico e pontual. Pra mim, todos que procuram dar seu melhor ganham. Seja numa competição, seja no seu treino do dia a dia.

Acredito que, o fator "prêmio" (o qual me refiro é material) é o que mais me incomoda nas competições... mas nunca parei pra pensar profundamente sobre isso. Imagino que o caminho seria questionamentos como: O que justifica minha trajetória até aqui é a busca pelo prêmio? O quanto o prêmio/premiação desfoca minha trajetória? Como outros vêem o prêmio? Necessita mesmo uma premiação?

Claro que, ter um objetivo, seja ele qual for, é fundamental para estar motivado a chegar a algum lugar. Como seres humanos que somos, generalizando, o sentido que mais nos influencia é a visão. Ter o objetivo materializado (prêmio), e frente aos olhos é um estimulo muito mais fácil (não necessariamente maior). Mas... existe algo material tão bom assim que justifique, a minha dedicação e esforço?

E sendo um pouco mais ousado, acredito que utilizar o prêmio material como estimulante, vá contra princípios, ao menos meus, do Parkour.

(Não conheço nada que comprove cientificamente o que disse abaixo, é puramente empírico. Por sinal nem pesquisei sobre... e não tava afim mesmo, ué! )

Sendo direto, acho que utilizar a premiação material, como alvo, vicia. Com o tempo, você fica sem objetivos realmente significativos/importantes pra você. Se isso é algo bom ou ruim, é outro tópico... mas imagino que em determinado momento, manter tal pensamento não compense.

Agora, falando sobre ser um vício em si. Todo e qualquer vício limita, dificulta, atrapalha. E tudo que possa ser um empecilho a mais, foge da filosofia do Parkour (ou pelo menos do meu Parkour, como eu disse anteriormente). Com certeza, dá resultados, mas até que ponto?

Ainda assim, não deixo de ver beleza em mostrar um objeto como conquista. E objetos ajudam a guardar e a contar histórias.
15 de jun. de 2015

Movendo-se Através do Medo

Tradução de Moving Through Fear, de Dan Edwardes, originalmente publicado em 18 de junho de 2013, feita pela Ju (também conhecida como Juliana Fajardini), originalmente publicada no Traduções da Taverna em 11 de junho de 2015.

dan_batman-jump São os pequenos medos que silenciosamente roubam nossas vidas. As grandes preocupações - morte, perda, o significado da existência… essas coisas, no geral, nós podemos ignorar, e de fato ignoramos, na maior parte de nossos dias. Filósofos e teólogos podem especular e preocupar-se com os detalhes de tais imponderáveis, mas a maioria de nós não tem o tempo, ou a inclinação, ou talvez tenha simplesmente sorte de não sofrer com o fardo do excesso de curiosidade. E alguns medos são racionais, é claro, e podem ser aliados de nossas vidas; o medo que aguça nossa percepção em uma parte escura da cidade, por exemplo, ou o medo de cair que sentimos de repente quando paramos muito próximos à borda de um precipício em um dia com muito vento.

O medo, no entanto, é um bicho esperto. É atrás da fachada razoável do medo que o verdadeiro perigo se esconde, armado como o rabo do escorpião, sempre pronto para ferroar.

Quanto de seu dia é entregue aos pequenos medos? É mais do que você pensaria inicialmente. Eles são do tipo que quase não notamos, e ainda assim raramente ignoramos. Eles são os medos que tornam cada dia confortável: o medo de nos sobressairmos que nos dobra a todos para nos conformarmos de quase todos os modos; o medo de rirem de nós que nos mantém em silêncio quando preferiríamos gargalhar bem alto; o medo da rejeição que nos leva a evitar tantas conexões em potencial. São medos aos quais estamos acostumados, pois são eles que nos fazem passar o dia sem problemas e com o mínimo de conflitos possível. São os medos que nos levam a ser pontuais no trabalho, que evitam que desafiemos as opiniões e métodos de nossos superiores. Os medos que nos impelem aos chamados objetivos respeitáveis ditos válidos de alcançar. Esses são os medos que nos fazem engolir venenos quando jovens, pois assim nossa galera irá nos aceitar.

O medo garante que estejamos constantemente na defensiva, sempre respondendo no presente às nossas piores visões do que o futuro irá trazer caso não estejamos. O medo das consequências limita as ações que tomamos. O medo torna-se o ator em nossas vidas, enquanto nós gradualmente nos juntamos à audiência, tornando-nos expectadores passivos dos eventos rotineiros de cada um de nossos preciosos dias. E assim se dá que gastamos tanto tempo cedendo aos nossos medos que nossas vidas passam por nós, até que não reste sequer um lamúrio, muito menos uma explosão, ao final.

O que tudo isso tem a ver com parkour?

Tudo.

Porque praticar parkour é buscar o medo diariamente, é confrontá-lo de cabeça erguida, encará-lo despido e solitário. No parkour, você está reduzido à sua essência. Não há equipamentos nos quais confiar, não há aparelhos de segurança ou acolchoados para protegê-lo, não há colega para assumir o peso quando você está cansado. É você, e apenas você. As únicas coisas que evitam que você se machuque ou lesione são as suas competências, seu julgamento, sua habilidade - e de ninguém mais. Agora, isso em si é uma grande percepção; mas também pode ser um grande peso. É você e apenas você quem enfrenta seus medos; as teorias de outras pessoas não têm qualquer importância aqui. Você não pode entender os seus medos com base em Freud ou Jung ou qualquer outro - eles não estão com você quando você pula para um cat ou cai e faz um rolamento; eles não estão lá quando você salta sobre um obstáculo. Nesses momentos há apenas você.

forrestroofParkour é movimento, e todo movimento está conectado ao medo. É através de um princípio conhecido como reatividade ao medo[1] que nossos corpos aprendem na tenra idade o que não fazer, como não se mover, por que não cair. Nós aprendemos a evitar a dor e buscar o conforto, e se experimentamos desconforto devido a uma certa ação nossos corpos de fato nos desencorajam a tentar essa ação em particular novamente. Dito de modo simples, reatividade ao medo é nosso padrão de comportamento condicionado envolvendo movimento, respiração e postura. É “uma reação aprendida e condicionada ao estresse, choque ou trauma. Ela se incorpora em cada um de nós; ninguém escapa a ela.”[2]

Obviamente este condicionamento é de algo que passou. Nossos corpos estão reagindo no presente ao medo do que ocorreu no passado. Assim, o medo é do passado. Ele vive na memória, e de lá é projetado no futuro, e usualmente nos encontramos vivendo com medo de um ou outro - o passado ou o futuro. Ora, isso significa que no momento presente o medo não existe de fato. Então, para estarmos livres do medo, o que temos de fazer é viver nesse momento presente, viver plenamente aqui e agora. Não é fácil. Mas o parkour é uma disciplina que pode nos ajudar.

É um fato que nosso potencial e talento físico naturais vão muito além do que nos limitamos a fazer. É nosso condicionamento, mental e físico, que nos impede de acessar tal capacidade natural, e portanto não é tanto a aquisição de habilidades e técnicas que nos levará a explorar este talento quanto um nos despojarmos de nossas próprias limitações. Não se trata de aumento regular, mas de decréscimo regular. Nós só precisamos escapar de nosso próprio jeito para encontrar nosso potencial. Precisamos eliminar nossos medos para libertar nossa graça e habilidade naturais. Tanto mental quanto fisicamente, a prática do parkour demanda que nós estejamos completamente focados no momento e libertos de velhas limitações; afinal de contas, toda a sua abordagem é sobre libertar-se de limites. E é nesse momento de pura prática que nós podemos começar a superar nossa própria reatividade ao medo, por estarmos atentos a ela e nos libertando de seus padrões.

cat-balanceÉ um processo. Preste atenção a si mesmo; observe. Note as dúvidas, as hesitações, os padrões negativos e as tensões em seu corpo enquanto você se move. Perceba que tais coisas são todas escolhas que você pode evitar. Tensão é uma escolha. Teste agora. Realize um autodiagnóstico rápido de seu corpo e você provavelmente notará que alguns músculos estão desnecessariamente tensos: agora escolha relaxar esses músculos. Fácil, uma vez que você está consciente de onde as tensões estão. O truque é encorajar esta consciência a emergir tão frequentemente quanto possível, e nós podemos facilitar isso ficando ativamente mais conscientes durante a prática. Desse modo nós aprendemos a escolher nossas ações e respostas ao invés de simplesmente sermos um produto de nossas reações. Daí vem a habilidade de explorar seu verdadeiro potencial, e disso vem a maestria. É aí onde o “Flow” habita.

Quanto mais apto você estiver em trazer seu foco plenamente para onde está, para o que está fazendo, menos energia e pensamentos você perderá para medos nascidos do passado e do futuro. Tudo o que resta é ação, completa e pura. Este conceito possui muitos nomes em muitas culturas e filosofias - mas, de novo, o nome que alguma outra pessoa deu para algo não é seu. Pratique isso, experimente isso, mergulhe nisso; e então você descobrirá que não precisa ter um nome pra isso.

Medo é uma coisa estática; não vive no movimento. Imagine uma trilha na selva à noite. Você caminha pela trilha de modo desconfiado, sua mente imaginando um ataque repentino de uma cobra ou uma aranha caindo das copas acima; você percebe o medo então, e ele cresce a cada passo que você dá. No entanto, imagine o que acontece quando aquela cobra de fato dá o bote de repente - você reage instintivamente, seu corpo e mente repentinamente absorvidos por completo pelo momento em um esforço combinado para saltar para longe do ataque: a reação de alarme. Naquele momento, não há qualquer tipo de medo. Todo o seu ser está engajado em escapar, no movimento. O medo existia antes do ataque, e irá sem dúvida retornar após o ataque (se você for rápido o suficiente, é claro!), mas no breve momento da ação o medo não existiu.

O que é fascinante é que pelo período muito mais longo no qual você esteve na trilha, sentindo-se assustado, o fato é que você estava bastante seguro e não estava sendo atacado. Durante o curto período em que você esteve realmente em perigo, o medo cessou de existir. Entusiastas de esportes extremos de todas as disciplinas bem como sobreviventes de situações extremas geralmente atestam a mesma coisa: em momentos de grande pressão e necessidade, a mente ansiosa sai do caminho e permite que nossas habilidades latentes, aparentemente super-humanas, assumam. Nós atravessamos o medo, e ele perde seu poder sobre nós.

Agora imagine como seria expandir o momento de não-medo de modo que ele se espalhasse pelo resto do tempo na trilha. O estado resultante é de alerta e prontidão permanentes, mas que não reguer esforço ou paranoia; de fato, é totalmente oposto à paranoia, que é a completa absorção de alguém por seus medos projetados. É um estado de movimento gracioso e eficiente, livre da reatividade ao medo e tensão muscular residual e em harmonia com o pensamento mais do que em conflito com ele. Esta é nossa verdadeira natureza, a que reside escondida na maior parte de nossas vidas até que aprendamos a nos mover para além do medo.

Você pode até descobrir que, sem medo, a caminhada na selva escura se transforma em uma experiência agradável.
peter-parkour


[1] No inglês, fear-reactivity. Não foi encontrada uma tradução oficial para o termo.
[2] Scott Sonnon, Body-Flow: Freedom from Fear-Reactivity, 2003, p.14
26 de mai. de 2015

O Tesouro dos Muros!


Caça ao Tesouro! Quem nunca brincou disso? Em quebrar a cabeça e se aventurar em busca de um tesouro.
Uma super brincadeira com todos os praticantes de parkour da cidade.
Forme sua equipe e venha se aventurar, desafiar-se em busca do TESOURO dos muros.
- Onde: Parque Costa Azul
- Quando: Sábado - 30/05 - 15:00
- Como funciona?
Forme uma equipe de 3 pessoas.
Prepare-se. Serão uma série de testes relacionados ao parkour. Eles podem ser físicos, psicológicos, raciocínio lógico, interpretação de textos, e até de conhecimento (história, técnicas, treinamento, etc).
As instruções do jogo serão repassadas completamente presencialmente no horário do evento, lá no parque.
(Não se preocupe se não formou seu trio ainda, vá no dia e forme seu treio lá, na hora! :D)
Realização: ABAPK - Associação Baiana de Parkour
Apoio: DECIMADOMURO
Contato
Gustavo Ivo 92752977
Daniel Ribeiro 91458218
Confirme no Evento:aqui
20 de mai. de 2015

Planches - 1002: Parte II

Dando prosseguimento à série de textos sobre o desafio, dessa vez, o depoimento - intenso - de Daniel Ribeiro.

Parte I: Aqui

Fotos noturnas por Juliana Fajardini.



Aceitar sua condição e existir, insistir e lutar, mesmo que pacificamente, é prevalecer.   

      (Daniel Ribeiro)


1002 Planches


Só hoje, 20 dias depois, resolvi terminar de escrever sobre o desafio mais exaustivo, tanto físico e mentalmente que já fiz. É muito difícil tentar expressar com palavras o caminho que percorri neste desafio, mas farei o máximo. 

  • O desafio inicialmente não era, nem de longe, os 1000 planches. 

Tudo começou com uma conversa depois de um treino que rola aqui em Salvador, apelidado de "Treino de embrutecimento", no qual eu, Gustavo e Wesley estávamos decidindo o nosso desafio do mês, como de costume. Como todo mês escolhemos um desafio baseado no número do mês, e sendo este abril, deveríamos escolher um desafio com que fosse relativo ao número 4. Assim, sugeri fazer o desafio dos 400 planches. Pronto, a ideia era idiota, e per si, foi automaticamente aceita. 

Marcamos a data e assim cada um continuou com suas vidas. Nesse meio tempo entre o desafio, creio que uma semana, não me recordo, fui vendo e lendo alguns vídeos e textos sobre desafios com planches/muscle ups. Precisava ter um pouco de noção de como deveria me manter no desafio, quantas repetições faria, o descanso, alimentação e etc. A partir desse momento a semente do mal já tinha sido semeada em minha mente e eu já pensava em não parar nos 400 planches. Conversando com Gustavo ele me revelou que também não tinha essa intenção. Novamente, juntos. 

Logo após ter assumido o desafio dos 1000 planches o medo, o receio, a incerteza e uma agonia incessante me lançava arduamente num limbo de inquietude. Eu me sentia ansioso e ao mesmo tempo queria adiar permanentemente o desafio. O medo do desconhecido, neste momento, me assombrava. Neste momento percebi que minha mente faria um papel crucial no desafio, talvez maior que meu corpo. 

Faltando um dia para o desafio não treinei, não fiz nada, apenas comi e tentei descansar. Dormir foi algo complicado, eu rolava de um lado para o outro da cama e o sono não vinha. Vi o dia clarear e faltando umas 3 horas para sair de casa peguei no sono. Esse foi meu descanso. Ouvi o celular tocar o alarme e acordei, levantei tonteante e atrasado. Só peguei dinheiro, coloquei uma roupa e saí. O dia estava fechado e já tinha chovido, foi um alívio, não queria sofrer debaixo do sol. Cheguei primeiro no pico, umas barras que tem na ondina, em frente à FSBA, e esperei por Gustavo, que veio correndo. 

  • O começo do desafio foi uma mistura de sentimentos bagunçados. 

Não sabia o que me esperava, só pensei em começar e terminar o mais rápido possível. Damos início ao desafio às 10:30, confiantes que acabaríamos antes das 19:00. Eu, Gustavo e João que estava com a gente, mas fazendo seu desafio de barras. Começamos e cada um foi anotando suas repetições em um caderninho. 

Eu e Gustavo concordamos em fazer 2 repetições por minuto e continuar assim até onde fosse possível. Foi assim, de dois em dois, e logo passamos dos 100. A mão de Gustavo, rasgada, já tinha mostrado que não seria fácil manter o corpo intacto. Entre os 200 o sol resolveu aparecer junto com Felipinho e Wesley e o desafio ganhou mais energia. Minha mão, ainda estava bem, sem calos abertos ou dores, mas eu sabia que não seria assim por muito tempo. Passando pelos 300, eu já tinha perdido muito líquido e estava sofrendo com o sol que tinha ficado mais forte. Chegando nos 400, o peso do corpo já parecia ter aumentado e a mão já parecia que iria se rasgar a qualquer momento. 




Enfim os 500 planches, estava na metade e meu corpo deu um leve suspiro. Já tinha percorrido a metade do caminho. Minha mão já estava com alguns calos abertos e algumas hora ou outra outros estouravam, não demorou e minha mão estava totalmente aberta. Comecei a beber mais água, mas ainda assim não recuperava, estava perdendo muita água e já me sentia fraco. Passando pelos 600 uma guerra que eu estava evitando começou a se levantar. Nesse momento eu comecei a sentir raiva, pensava em parar e cada repetição era como se eu puxasse o mundo junto comigo. Eu mal falava, só suava, sentava, dava duas respiradas e voltava a puxar dois planches. Foi assim até os 700, aqui eu e Gustavo paramos e descansamos 20 minutos. Resolvi tomar um banho na praia e deitar um pouco, burrice! A água salgada fez minha mão queimar em ardência. Deitado, só sentia uma vontade grande de parar por ali e voltar para casa. Uma parte de mim gritava com a outra, uma tentava jogar a outra no chão, uma tentava se impor a outra. Garrei no sono. Acordei com Wesley me chamando e de alguma forma, estava me sentindo melhor. 


  • Aqui, em direção ao fim, pensando em desistir, começou meu desafio. 

Aqui entre os últimos 300 planches começou meu diálogo interno e minha guerra pacífica. Aqui eu escolhi arcar com toda dor, todo cansaço e talvez com alguns danos físicos. Aqui eu escolhi o que eu seria e o qual parte de mim eu deixaria vencer. Aqui eu lembrei dos que já tinham feito, dos que estavam fazendo, dos que não quiseram fazer e dos que não puderam fazer.
Aqui eu resolvi suportar tudo, pelos que estavam ali comigo e porque ali, naquele momento, eu só tinha a barra e meus amigos. 

Eu já estava sofrendo e parar, sair, desistir não faria essas dores pararem. Meu corpo estava quebrado, mas meu espírito estava intacto. Consegui aumentar minhas repetições de 2 para 4 e até 5 e fui assim até os 900 planches. 

Juntos
Os 100 últimos. Então chegou o fim. Já tinha passado das 19:00 horas e eu não me importava mais com o tempo, estava desapegado de tudo, já tinha encarado e aceitado a dor em meus braços e minha mão não me incomodava tanto assim. Incomodava ver Gustavo exausto e cambaleante, cada repetição que fazia eu dedicava a ele. Eu sentia o sofrimento dele ao puxar a barra, sentia o cansaço dele e isso deixou minha última centena agoniante. Ele estava faltando alguns planches para chegar nos 900 e eu já estava fechando os tão esperados 1000. Faltando 30 planches resolvi não descansar tanto, fazia um, andava uns 30 metros e fazia de novo. Gustavo resolveu fazer o mesmo e assim, depois de 10 horas, eu conclui o desafio fazendo 1002 planches. 

Fiquei feliz, abracei Gustavo, mas não tinha forças para comemorar. Resolvi que faria planches até onde aguentasse para acompanhar Gustavo e assim continuei, não demorou muito e cheguei no meu limite e nesse momento meu corpo já não estava mais com Gustavo. Só minha mente o acompanhava naqueles últimos planches. Gustavo terminou umas 2 horas depois, exausto e emocionado. 

De fato, este foi o desafio mais duro, difícil, longo e cansativo que já fiz. 



Não o faria de novo, nem recomendo. É um desafio que não requer apenas um condicionamento bom, ele vai te minar e antes que perceba você já não terá forças físicas para se suportar em pé. Foi a maior batalha de minha vida, mas foi uma batalha que valeu a pena. Só consegui reforçar virtudes e ideias que tenho carregado comigo há algum tempo. Meu corpo, 20 dias depois ainda carrega as marcas nas mãos, mas já estou recuperado e sem lesões. Mantenho meu legado intacto, sempre que me colocar em prol de alguma coisa ou de alguém, seguirei, passo a passo, enfrentando minhas ilusões e meus medos, buscando alcançar o objetivo proposto. Uma ressalva, o desafio acabava nos 1000 planches, mas fiz um para a sociedade de parkour e outro para Gustavo que se manteve até o final comigo. 

  • Enquanto estiver vontade, meu espírito erguerá meu corpo, enquanto estiver vontade, mesmo com o corpo quebrado, eu me erguerei










Engole

a dor


Ergue-se

resoluto.


Impávido.

Sereno.

Bruto.


(Juliana Fajardini)

 
13 de mai. de 2015

Planches - 400: Parte I

Primeiro texto de Wesley em nosso blog. E, já de cara, um relato e tanto.

Dia 25 de abril havia sido marcado um desafio, e a seguir você vai acompanhar uma série de textos de quem passou por essa experiência.


Planches - 400 - Parte I

Texto por Wesley Santos

Ontem fui fazer o desafio dos 400 planches. Ou assim eu achei que este seria o desafio até chegar lá. Logo após cumprimentar meus amigos, fui questionado:

-“Vai fazer 400 ou fechar 1000 também, Wesley?”.

Bem, já estava ali, por que não tentar, né? Prontamente respondi que faria até onde conseguisse. E assim comecei meu desafio.

Cheguei atrasado, logo não foi possível começar o desafio junto com todos, porém tentei adiantar o máximo de repetições possíveis, para tentar ficar próximo pelo menos. Bom, não foi possível, assim como fui alertado por Felipe antes de começar, minhas mãos abriram. Pele, sangue e suor tudo misturado na mão, segurar na barra era uma tortura, então a envolvi com esparadrapos e prossegui, tentando agora acompanhar o ritmo deles: 2 planches a cada 1 minuto. Também não consegui, o esparadrapo se rasgou e mais uma vez voltei a fazer os planches com as mãos nuas. Sempre que era tempo de fazer uma nova repetição, já imaginava a dor de pegar na barra, algumas vezes esperava o próximo minuto para ir fazê-la. Mas sabia que descansar aquele minuto a mais não mudaria nada, meus braços, ombros e pulsos estavam ótimos, somente pensar em segurar na barra com os calos abertos me fazia hesitar. Sabia disso e lutava contra, mas sempre custava a levantar e puxar mais dois planches. 

Após algum tempo, João saiu para comprar suprimentos, pedi-lhe ataduras, e quando voltou, já fui colocando elas nas mãos. A dor não sumia com esta ajuda, mas era mais suportável e assim voltei a tentar seguir o ritmo imparável de Daniel e Gustavo, desta vez mais focado. Logo que eles desciam da barra, eu subia. O tempo voava. Ao descer e anotar a série eles já estavam subindo de novo, era desgastante pensar que já era hora de voltar pra barra, mas os números aumentavam gradativamente com aquele ritmo.

Completei 120, e a cada 30 planches precisava ajeitar a atadura, mas dava pra continuar. Cada série uma pegada diferente a fim de encontrar uma confortável, porém, não havia posições confortáveis então o jeito era continuar variando, desgastar um setor por vez das mãos.

Toda vez que necessitava ajeitar a atadura, perdia o ritmo. 1, 2, 5 minutos me preparando para pegar novamente na barra, mas voltava e continuava. 

Dois planches por vez e após algumas horas, mais de 3 só pra constar, alcancei os 300. Não sabia como ou se terminaria, chegava a ter calafrios quando tocava na barra, mesmo com as ataduras. Mas ao ver aqueles ainda com seu ritmo, imparável e constante, chegar na barra e sem hesitar puxar 2 planches, com as mãos nuas, foi o momento da revolta, o que fazia a dor deles diferente? Suas mãos estavam 3 vezes piores que as minhas e ainda assim eles continuavam. Automaticamente você pensa, qual será o macete? Parei este pensamento no momento em que ele passou por minha mente, e neste mesmo momento, também sem hesitar, puxei 2 planches, retos, como deveriam ser sem buscar uma posição mais confortável, ou coisa parecida.

Eu sabia que aquilo que pensei é uma negação do que eles acreditam, do que acredito, por mais que tenha sido um pensamento passageiro, pareceu-me uma ofensa para eles. Treino com eles há tempo suficiente para saber que não foram “pegadas variadas” ou “posições mais leves” que os levaram ao nível de foco que eles estavam e sim os seus esforços, tanto físico quanto mental. E por isto naquele momento decidi, não havia um talvez eu termine o desafio, não quando meus companheiros de treino já haviam completado os 400, e prosseguiam rumo aos 1000. Não, eu completaria sim o meu desafio e os seguiria até onde fosse possível seguiria aquele estado de espírito em que eles se encontravam até onde o meu espirito conseguisse.

Bem, meu espírito não se manteve por muito tempo, toda aquela onda de motivação se foi junto com o novo calo que se abriu, não parei, mas meu psicológico estava a desabar a qualquer momento, faltavam 40 e neste momento os meninos foram descansar, quando alcançaram os 700 planches. Eu não tinha mais porque puxar a barra, não tinha mais seu ritmo para seguir, tudo apareceu de vez, fome, sono, dor de cabeça. “Se você parar agora não há problema algum”, era o que eu me dizia. Mas por tantas vezes dizer a tantos amigos que já tinham passado da metade e que dava pra terminar, então era no mínimo minha obrigação terminar. Pensar isto não me motivou, nem um pouco, mas prossegui, de dois em dois, com descansos livres, mas ainda pegando na barra, sem pensar e puxar, não havia outra maneira de subir, sabia que no momento da hesitação a desistência da série era certa, como aconteceu algumas vezes. Aos trancos, cheguei aos 398, e as 16h59min terminei os 400, neste momento o descanso dos meninos findava.

Fiz mais alguns planches, pouquíssimos, já não tinha ânimo algum de continuar, ao ver Gustavo procurar esparadrapos e não encontrar, ofereci-lhe as ataduras, fiz 2 planches de mãos nuas e desisti. Sentei e esperei o termino do desafio deles.

Ficava cada vez mais difícil para eles, já os acompanhei em muitos desafios, e esta era a primeira vez em que eu via a dor em seus olhos e a dificuldade em completar o desafio. Algumas vezes achei que não seria possível completar, mas eles continuavam lutando.

Bateu 19Hrs, foi o horário que Daniel disse que já estariam descansando, mas não estavam, estavam chegando na faixa dos 900, e prosseguindo.

Às 21:00 Daniel terminou e às 22:30 Gustavo pagou seus últimos planches, alguns a mais, dedicados a alguns motivos dele.

Não havia alegria em seus rostos, pelo contrário.

Logo após terminar, Gustavo com lágrimas nos olhos desabafou: falou sobre sua experiência e sobre suas dificuldades naquele desafio que custou a ser completado. Isso aumentou a angústia que sentia ao ver a dor em seus olhos, ao vê-lo balançar os braços em busca de forças durante seus esforços. Queria estar ali com ele, subindo, descendo, uma repetição por vez, queria ser forte para acompanhá-lo até o fim, para que ele soubesse que aquela dor era compartilhada e que ele conseguiria, nós conseguiríamos. Queria um espírito forte o suficiente para fazer nem que fosse aquelas ultimas 100, que ele tanto sofreu para completar, mas não tinha, talvez tivesse forças, mas meu espírito estava quebrado.
Este espírito é o que eu quero alcançar, suportar o que for necessário para vencer os obstáculos, lado a lado dos companheiros que se dispuserem a seguir esse mesmo intuito. 
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