5 de ago. de 2014

Parkour Descalço

Método Natural 

por Gustavo Ivo

Recentemente, Gustavo Carvalho - Tartaruga - disponibilizou um artigo que ele escreveu há cerca de dois anos sobre o treino de Parkour descalço a partir de sua própria experiência. Um material que aborda vários aspectos, benefícios, dificuldades e outras percepções.

Para aqueles que nunca treinaram assim, vale começar a experimentar ou repensar esse treino. Aos que já treinam descalço, é uma forma de ter essa outra visão e relacionar com a própria experiência.

Pessoalmente, fico muito feliz em ler esse artigo, como eu mesmo treino descalço, guga é quase um "mestre" para mim, seu jeito de ser e seu parkour trouxeram ensinamentos de grande valia para aqueles que souberam perceber isso.

ps: 
Lembro até hoje de um treino à noite e na chuva, em que ele fazia um flow em azulejos e barras bem fluído, seguro e rápido. Aquilo até hoje me inspira.

ps²: fotos adicionadas.

Sem mais, segue abaixo o material:

" Resumo: Se a parte prática do parkour é intrínseca dos seres humanos, e da maioria dos animais, fazê-lo descalço é mais natural ainda. Entretanto ainda é encarado com controvérsia e certo preconceito pela maioria das pessoas, praticantes ou não. Com base nos conhecimentos empíricos adquiridos ao longo de mais de 6 anos de prática, os benefícios e dificuldades serão apresentados, explanados e exemplificados.
“Parkour é a prática corporal e fenômeno cultural, que se desenvolveu a partir do princípio de se deslocar de um ponto a outro, de forma rápida, segura e eficiente, utilizando apenas o corpo como ferramenta, como disseminado por David Belle”.
(ABPK 2011)

Essa é a definição oficializada pela associação e que, de maneira geral, é concordada pela maioria dos praticantes. Mas se é “utilizando apenas o corpo como ferramenta” por que os praticantes são tão dependentes dos tênis? Talvez por um fator cultural, já que tênis e sapatos fazem parte do dia a dia da população, inclusive em atletas de alto rendimento, combinado com modismo/comodismo em não questionar e seguir o que a maioria faz, como acontece com calças de moletom, kalenjis, alguns movimentos, etc.

Mas movimentar-se livremente sem tênis é intrínseco do ser humano, desde os tempos antigos até os atuais. Nascemos livres, mas logo somos ensinadas a seguir determinadas regras que limitam nossos movimentos e transformam nossos pés em cascos.

Quando comecei a treinar descalço, a filosofia de estar sempre preparado era muito forte, coisa que não se vê muito atualmente, então, junto à ideia de utilizar apenas o corpo, tirei meus tênis e passei a treinar apenas descalço. Eu queria poder treinar em qualquer momento, em qualquer lugar, em qualquer condição e fazer o que fazia calçado em qualquer situação, afinal se todos os outros animais podiam se movimentar sem apetrechos, por que eu seria diferente?

Com o passar do tempo percebi outros benefícios. Eu me machucava menos. Tanto porque sem tênis eu arriscava menos, pois sabia que tinha menos proteção, quanto por me tornar mais forte e com técnicas de amortecimento de impactos melhores já que podia sentir melhor meu corpo e o ambiente.

Parece estranho que ao retirar um apetrecho que trás segurança torne a prática mais segura. Mas isso depende principalmente do praticante. Se ele tentar se movimentar da mesma forma descalço como faz de tênis provavelmente irá se machucar, e é aí que está a questão. Ao tirar o tênis é necessária uma mudança de visão que torne possível uma aprendizagem que fortalece e protege o praticante.

Primeira coisa que o praticante deve mudar ao tirar o tênis é a visão do ambiente. Provavelmente você não poderá passar pelos mesmos lugares que passava antes, pelo menos não com os mesmos movimentos. A falta de tênis é um obstáculo a mais que tem que ser ultrapassado. Mude os caminhos, mude os movimentos, adapte-se. Para isso o praticante deve também evoluir sua percepção sobre ele mesmo. Os tênis transformam os pés das pessoas em cascos, uma coisa sólida, única. Mas nós temos pés, compostos de calcanhar, tarso, metatarso e dedos. Os dedos que são tão importantes para nossa movimentação, principalmente para o equilíbrio, são simplesmente esquecidos e ignorados quando calçamos um tênis. Então é preciso reavaliar biomecanicamente como você está utilizando seus movimentos e passar a sentir e avaliar com cuidado os movimentos realizados.

Um parâmetro muito utilizado para avaliar a absorção de impactos é a quantidade de barulho que o impacto produz. Não é uma medida muito correta, pois é possível que um impacto cause muito barulho, mas seja bem absorvido pelo corpo enquanto outros com menos barulho seja mal absorvido, mas de maneira geral funciona bem. Entretanto ao retirar o tênis se torna mais difícil utilizar esse parâmetro, então é necessário um esforço maior para sentir o impacto e como ele foi absorvido.

Sem tênis você poderá sentir melhor o ambiente, saberá a aderência de determinada superfície ao pisá-la e sentirá melhor o efeito dos impactos, principalmente no calcanhar e em pequenas corridas e pulos. Ao perceber isso, até meu caminhar se modificou para não sobrecarregar a estrutura óssea.

Ao me deparar com um movimento novo o qual sinto medo de fazer, analiso se conseguiria realiza-lo descalço. Se chego a conclusão que não, então, geralmente, meu corpo ou mente ainda não estão preparados para aquele movimentos. Pois se eu não consigo realizar descalço, é porque não tenho técnica ou força o suficiente, e passar essa responsabilidade para o tênis é perigoso.

Então as vantagens que o tênis traria, você pode ter apenas evoluindo seu corpo e sem ter as desvantagens dos tênis. Em outras palavras, sua técnica tem que superar o tênis, o que é muito bom para um tracer que busca evoluir consistentemente. E aí entra outro ponto o qual já fui questionado algumas vezes: ao retirar o tênis você estaria atrasando a evolução. Isso depende do conceito de evolução de cada um. Normalmente quem me apresenta esse ponto tem como conceito de evolução o constante aumento na distancia, altura, velocidade de determinados movimentos. Em outras palavras, movimentos visualmente impactantes. Vendo por esse lado talvez sim, estaria atrasando a evolução, mas esse não é nem de perto meu conceito de evolução. Meu conceito de evolução é tornar meu corpo o mais adaptável possível - com força, velocidade, destreza, flexibilidade, possibilidades de movimentos, controle psicológico - para movimentação segura e eficiente no ambiente, e para isso o treino descalço funciona muito bem.


A coisa que mais me orgulho nesses 6 anos de prática é não ter nenhuma articulação machucada, ou dores ao realizar alguns movimentos, como vejo muita gente reclamando. Apenas uma vez tive uma luxação no cotovelo que me deixou parado por um mês, mas sem nenhuma sequela. Fora isso, nunca passei mais de uma semana sentindo dor por conta de alguma queda ou movimento errado. E devo boa parte disso a consciência que criei e adquiri treinando descalço. Sinto que estou vivendo o lema “Ser e durar”, e acredito que farei isso por bastante tempo.

Mas nem tudo são flores, há algumas desvantagens. Primeiro há o preconceito devido a forte cultura de utilização de calçados. Ninguém descalço na rua é bem visto pela sociedade, principalmente um tracer que em alguns casos já não é bem visto, ao estar descalço só piora essa visão. Há também o preconceito entre os próprios praticantes, coisa que já está mudando, mas há 4 anos atrás era muito forte. Muitos tracers nem sequer cogitavam a possibilidade de treinar parkour descalço, logo ao ver uma pessoa descalça no treino perguntavam: “Ué, não vai treinar?”.

Dificuldades físicas também existem, e são as mais fáceis de perceber. Obviamente ao retirar o tênis seu pé estará exposto a machucados superficiais na pele - cortes, furos, abrir calos, queimar, bater os dedos - e isso não tem como impedir, no máximo evitar, prestando atenção no ambiente e na sua movimentação e calejando o pé como fazemos com as mãos. Além disso, como não tem o tênis para “absorver” o impacto sua técnica e sua força tem que ser suficientes. Isso não é necessariamente uma desvantagem, já que se trata de um fortalecimento e aprimoramento do corpo o que pode contribuir na longevidade.

Há também uma dificuldade psicológica, que acredito é a mais sentida na prática. Sem tênis sua área de erro crítico é maior. Por exemplo, num salto de precisão calçado, ao cair na ponta dos dedos geralmente não há problemas, mas descalço fazer isso é muito arriscado e pode causar um acidente grande. O mesmo vale pro calcanhar, que ao aterrissar numa barra de calcanhar calçado, apesar de sentir que não é o correto, não causa dores, pois a maioria dos tênis possuem bons amortecedores atrás, mas descalço você poderá machucar o pé ou pelo menos sentir uma boa dor. Além da área de erro ser maior, ao acontecer o erro as consequências podem ser bem piores já que não haverá o tênis para lhe proteger. Intuitivamente ou não o tracer sabe disso e acaba por criar um medo a mais quando está descalço, o que não necessariamente é ruim já que isso pode te mostrar que você ainda não está pronto.

Enfim, tudo se resume a aumentar a sensibilidade e potencializar a performance e longevidade através de um caminho mais difícil e lento."




1 comentários:

Gustavo Carvalho disse...

Denis, fique a vontade! Só mantém os créditos e está tudo certo!

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