19 de jul. de 2015

Fala Tracer! - Ruda - Jogos

Coluna "Fala Tracer!" dessa vez com Rafael Santiago (Ruda), em que aborda um pouco de sua visão sobre jogos, competições, prêmios e suas relações com o parkour. Em um momento em que cada vez mais modelos competitivos envolvendo parkour aparecem, refletir sobre essa situação é muito importante para sabermos a qual caminho "o "parkour  está tomando. 

E você, o que acha? 

Caso queira, comente, fale, compartilhe, e escreva pra gente. Fala Tracer! é uma coluna aberta a qualquer praticante.

Abs


Jogos são um modelo de competição, e jogos são uma grande fonte de diversão. A competição, portanto, tem sua parte divertida, também tem sua parte de aprendizado, estimula o raciocínio, caso seja em grupo, a interação e o pensamento coletivo... dificilmente um grupo irá bem, se seus membros não souberem chegar a um acordo, aprender como fazer isso é muito legal.

O que não apoio é o endeusamento dos vencedores. "Pra alguém ganhar, alguém precisa perder", esse é o momento que pra mim você cria um perdedor, e não quando a competição termina. Sendo mais explícito, é quando você quer classificar o desempenho de um indivíduo/grupo através de um sistema numérico e pontual. Pra mim, todos que procuram dar seu melhor ganham. Seja numa competição, seja no seu treino do dia a dia.

Acredito que, o fator "prêmio" (o qual me refiro é material) é o que mais me incomoda nas competições... mas nunca parei pra pensar profundamente sobre isso. Imagino que o caminho seria questionamentos como: O que justifica minha trajetória até aqui é a busca pelo prêmio? O quanto o prêmio/premiação desfoca minha trajetória? Como outros vêem o prêmio? Necessita mesmo uma premiação?

Claro que, ter um objetivo, seja ele qual for, é fundamental para estar motivado a chegar a algum lugar. Como seres humanos que somos, generalizando, o sentido que mais nos influencia é a visão. Ter o objetivo materializado (prêmio), e frente aos olhos é um estimulo muito mais fácil (não necessariamente maior). Mas... existe algo material tão bom assim que justifique, a minha dedicação e esforço?

E sendo um pouco mais ousado, acredito que utilizar o prêmio material como estimulante, vá contra princípios, ao menos meus, do Parkour.

(Não conheço nada que comprove cientificamente o que disse abaixo, é puramente empírico. Por sinal nem pesquisei sobre... e não tava afim mesmo, ué! )

Sendo direto, acho que utilizar a premiação material, como alvo, vicia. Com o tempo, você fica sem objetivos realmente significativos/importantes pra você. Se isso é algo bom ou ruim, é outro tópico... mas imagino que em determinado momento, manter tal pensamento não compense.

Agora, falando sobre ser um vício em si. Todo e qualquer vício limita, dificulta, atrapalha. E tudo que possa ser um empecilho a mais, foge da filosofia do Parkour (ou pelo menos do meu Parkour, como eu disse anteriormente). Com certeza, dá resultados, mas até que ponto?

Ainda assim, não deixo de ver beleza em mostrar um objeto como conquista. E objetos ajudam a guardar e a contar histórias.
15 de jun. de 2015

Movendo-se Através do Medo

Tradução de Moving Through Fear, de Dan Edwardes, originalmente publicado em 18 de junho de 2013, feita pela Ju (também conhecida como Juliana Fajardini), originalmente publicada no Traduções da Taverna em 11 de junho de 2015.

dan_batman-jump São os pequenos medos que silenciosamente roubam nossas vidas. As grandes preocupações - morte, perda, o significado da existência… essas coisas, no geral, nós podemos ignorar, e de fato ignoramos, na maior parte de nossos dias. Filósofos e teólogos podem especular e preocupar-se com os detalhes de tais imponderáveis, mas a maioria de nós não tem o tempo, ou a inclinação, ou talvez tenha simplesmente sorte de não sofrer com o fardo do excesso de curiosidade. E alguns medos são racionais, é claro, e podem ser aliados de nossas vidas; o medo que aguça nossa percepção em uma parte escura da cidade, por exemplo, ou o medo de cair que sentimos de repente quando paramos muito próximos à borda de um precipício em um dia com muito vento.

O medo, no entanto, é um bicho esperto. É atrás da fachada razoável do medo que o verdadeiro perigo se esconde, armado como o rabo do escorpião, sempre pronto para ferroar.

Quanto de seu dia é entregue aos pequenos medos? É mais do que você pensaria inicialmente. Eles são do tipo que quase não notamos, e ainda assim raramente ignoramos. Eles são os medos que tornam cada dia confortável: o medo de nos sobressairmos que nos dobra a todos para nos conformarmos de quase todos os modos; o medo de rirem de nós que nos mantém em silêncio quando preferiríamos gargalhar bem alto; o medo da rejeição que nos leva a evitar tantas conexões em potencial. São medos aos quais estamos acostumados, pois são eles que nos fazem passar o dia sem problemas e com o mínimo de conflitos possível. São os medos que nos levam a ser pontuais no trabalho, que evitam que desafiemos as opiniões e métodos de nossos superiores. Os medos que nos impelem aos chamados objetivos respeitáveis ditos válidos de alcançar. Esses são os medos que nos fazem engolir venenos quando jovens, pois assim nossa galera irá nos aceitar.

O medo garante que estejamos constantemente na defensiva, sempre respondendo no presente às nossas piores visões do que o futuro irá trazer caso não estejamos. O medo das consequências limita as ações que tomamos. O medo torna-se o ator em nossas vidas, enquanto nós gradualmente nos juntamos à audiência, tornando-nos expectadores passivos dos eventos rotineiros de cada um de nossos preciosos dias. E assim se dá que gastamos tanto tempo cedendo aos nossos medos que nossas vidas passam por nós, até que não reste sequer um lamúrio, muito menos uma explosão, ao final.

O que tudo isso tem a ver com parkour?

Tudo.

Porque praticar parkour é buscar o medo diariamente, é confrontá-lo de cabeça erguida, encará-lo despido e solitário. No parkour, você está reduzido à sua essência. Não há equipamentos nos quais confiar, não há aparelhos de segurança ou acolchoados para protegê-lo, não há colega para assumir o peso quando você está cansado. É você, e apenas você. As únicas coisas que evitam que você se machuque ou lesione são as suas competências, seu julgamento, sua habilidade - e de ninguém mais. Agora, isso em si é uma grande percepção; mas também pode ser um grande peso. É você e apenas você quem enfrenta seus medos; as teorias de outras pessoas não têm qualquer importância aqui. Você não pode entender os seus medos com base em Freud ou Jung ou qualquer outro - eles não estão com você quando você pula para um cat ou cai e faz um rolamento; eles não estão lá quando você salta sobre um obstáculo. Nesses momentos há apenas você.

forrestroofParkour é movimento, e todo movimento está conectado ao medo. É através de um princípio conhecido como reatividade ao medo[1] que nossos corpos aprendem na tenra idade o que não fazer, como não se mover, por que não cair. Nós aprendemos a evitar a dor e buscar o conforto, e se experimentamos desconforto devido a uma certa ação nossos corpos de fato nos desencorajam a tentar essa ação em particular novamente. Dito de modo simples, reatividade ao medo é nosso padrão de comportamento condicionado envolvendo movimento, respiração e postura. É “uma reação aprendida e condicionada ao estresse, choque ou trauma. Ela se incorpora em cada um de nós; ninguém escapa a ela.”[2]

Obviamente este condicionamento é de algo que passou. Nossos corpos estão reagindo no presente ao medo do que ocorreu no passado. Assim, o medo é do passado. Ele vive na memória, e de lá é projetado no futuro, e usualmente nos encontramos vivendo com medo de um ou outro - o passado ou o futuro. Ora, isso significa que no momento presente o medo não existe de fato. Então, para estarmos livres do medo, o que temos de fazer é viver nesse momento presente, viver plenamente aqui e agora. Não é fácil. Mas o parkour é uma disciplina que pode nos ajudar.

É um fato que nosso potencial e talento físico naturais vão muito além do que nos limitamos a fazer. É nosso condicionamento, mental e físico, que nos impede de acessar tal capacidade natural, e portanto não é tanto a aquisição de habilidades e técnicas que nos levará a explorar este talento quanto um nos despojarmos de nossas próprias limitações. Não se trata de aumento regular, mas de decréscimo regular. Nós só precisamos escapar de nosso próprio jeito para encontrar nosso potencial. Precisamos eliminar nossos medos para libertar nossa graça e habilidade naturais. Tanto mental quanto fisicamente, a prática do parkour demanda que nós estejamos completamente focados no momento e libertos de velhas limitações; afinal de contas, toda a sua abordagem é sobre libertar-se de limites. E é nesse momento de pura prática que nós podemos começar a superar nossa própria reatividade ao medo, por estarmos atentos a ela e nos libertando de seus padrões.

cat-balanceÉ um processo. Preste atenção a si mesmo; observe. Note as dúvidas, as hesitações, os padrões negativos e as tensões em seu corpo enquanto você se move. Perceba que tais coisas são todas escolhas que você pode evitar. Tensão é uma escolha. Teste agora. Realize um autodiagnóstico rápido de seu corpo e você provavelmente notará que alguns músculos estão desnecessariamente tensos: agora escolha relaxar esses músculos. Fácil, uma vez que você está consciente de onde as tensões estão. O truque é encorajar esta consciência a emergir tão frequentemente quanto possível, e nós podemos facilitar isso ficando ativamente mais conscientes durante a prática. Desse modo nós aprendemos a escolher nossas ações e respostas ao invés de simplesmente sermos um produto de nossas reações. Daí vem a habilidade de explorar seu verdadeiro potencial, e disso vem a maestria. É aí onde o “Flow” habita.

Quanto mais apto você estiver em trazer seu foco plenamente para onde está, para o que está fazendo, menos energia e pensamentos você perderá para medos nascidos do passado e do futuro. Tudo o que resta é ação, completa e pura. Este conceito possui muitos nomes em muitas culturas e filosofias - mas, de novo, o nome que alguma outra pessoa deu para algo não é seu. Pratique isso, experimente isso, mergulhe nisso; e então você descobrirá que não precisa ter um nome pra isso.

Medo é uma coisa estática; não vive no movimento. Imagine uma trilha na selva à noite. Você caminha pela trilha de modo desconfiado, sua mente imaginando um ataque repentino de uma cobra ou uma aranha caindo das copas acima; você percebe o medo então, e ele cresce a cada passo que você dá. No entanto, imagine o que acontece quando aquela cobra de fato dá o bote de repente - você reage instintivamente, seu corpo e mente repentinamente absorvidos por completo pelo momento em um esforço combinado para saltar para longe do ataque: a reação de alarme. Naquele momento, não há qualquer tipo de medo. Todo o seu ser está engajado em escapar, no movimento. O medo existia antes do ataque, e irá sem dúvida retornar após o ataque (se você for rápido o suficiente, é claro!), mas no breve momento da ação o medo não existiu.

O que é fascinante é que pelo período muito mais longo no qual você esteve na trilha, sentindo-se assustado, o fato é que você estava bastante seguro e não estava sendo atacado. Durante o curto período em que você esteve realmente em perigo, o medo cessou de existir. Entusiastas de esportes extremos de todas as disciplinas bem como sobreviventes de situações extremas geralmente atestam a mesma coisa: em momentos de grande pressão e necessidade, a mente ansiosa sai do caminho e permite que nossas habilidades latentes, aparentemente super-humanas, assumam. Nós atravessamos o medo, e ele perde seu poder sobre nós.

Agora imagine como seria expandir o momento de não-medo de modo que ele se espalhasse pelo resto do tempo na trilha. O estado resultante é de alerta e prontidão permanentes, mas que não reguer esforço ou paranoia; de fato, é totalmente oposto à paranoia, que é a completa absorção de alguém por seus medos projetados. É um estado de movimento gracioso e eficiente, livre da reatividade ao medo e tensão muscular residual e em harmonia com o pensamento mais do que em conflito com ele. Esta é nossa verdadeira natureza, a que reside escondida na maior parte de nossas vidas até que aprendamos a nos mover para além do medo.

Você pode até descobrir que, sem medo, a caminhada na selva escura se transforma em uma experiência agradável.
peter-parkour


[1] No inglês, fear-reactivity. Não foi encontrada uma tradução oficial para o termo.
[2] Scott Sonnon, Body-Flow: Freedom from Fear-Reactivity, 2003, p.14
26 de mai. de 2015

O Tesouro dos Muros!


Caça ao Tesouro! Quem nunca brincou disso? Em quebrar a cabeça e se aventurar em busca de um tesouro.
Uma super brincadeira com todos os praticantes de parkour da cidade.
Forme sua equipe e venha se aventurar, desafiar-se em busca do TESOURO dos muros.
- Onde: Parque Costa Azul
- Quando: Sábado - 30/05 - 15:00
- Como funciona?
Forme uma equipe de 3 pessoas.
Prepare-se. Serão uma série de testes relacionados ao parkour. Eles podem ser físicos, psicológicos, raciocínio lógico, interpretação de textos, e até de conhecimento (história, técnicas, treinamento, etc).
As instruções do jogo serão repassadas completamente presencialmente no horário do evento, lá no parque.
(Não se preocupe se não formou seu trio ainda, vá no dia e forme seu treio lá, na hora! :D)
Realização: ABAPK - Associação Baiana de Parkour
Apoio: DECIMADOMURO
Contato
Gustavo Ivo 92752977
Daniel Ribeiro 91458218
Confirme no Evento:aqui
20 de mai. de 2015

Planches - 1002: Parte II

Dando prosseguimento à série de textos sobre o desafio, dessa vez, o depoimento - intenso - de Daniel Ribeiro.

Parte I: Aqui

Fotos noturnas por Juliana Fajardini.



Aceitar sua condição e existir, insistir e lutar, mesmo que pacificamente, é prevalecer.   

      (Daniel Ribeiro)


1002 Planches


Só hoje, 20 dias depois, resolvi terminar de escrever sobre o desafio mais exaustivo, tanto físico e mentalmente que já fiz. É muito difícil tentar expressar com palavras o caminho que percorri neste desafio, mas farei o máximo. 

  • O desafio inicialmente não era, nem de longe, os 1000 planches. 

Tudo começou com uma conversa depois de um treino que rola aqui em Salvador, apelidado de "Treino de embrutecimento", no qual eu, Gustavo e Wesley estávamos decidindo o nosso desafio do mês, como de costume. Como todo mês escolhemos um desafio baseado no número do mês, e sendo este abril, deveríamos escolher um desafio com que fosse relativo ao número 4. Assim, sugeri fazer o desafio dos 400 planches. Pronto, a ideia era idiota, e per si, foi automaticamente aceita. 

Marcamos a data e assim cada um continuou com suas vidas. Nesse meio tempo entre o desafio, creio que uma semana, não me recordo, fui vendo e lendo alguns vídeos e textos sobre desafios com planches/muscle ups. Precisava ter um pouco de noção de como deveria me manter no desafio, quantas repetições faria, o descanso, alimentação e etc. A partir desse momento a semente do mal já tinha sido semeada em minha mente e eu já pensava em não parar nos 400 planches. Conversando com Gustavo ele me revelou que também não tinha essa intenção. Novamente, juntos. 

Logo após ter assumido o desafio dos 1000 planches o medo, o receio, a incerteza e uma agonia incessante me lançava arduamente num limbo de inquietude. Eu me sentia ansioso e ao mesmo tempo queria adiar permanentemente o desafio. O medo do desconhecido, neste momento, me assombrava. Neste momento percebi que minha mente faria um papel crucial no desafio, talvez maior que meu corpo. 

Faltando um dia para o desafio não treinei, não fiz nada, apenas comi e tentei descansar. Dormir foi algo complicado, eu rolava de um lado para o outro da cama e o sono não vinha. Vi o dia clarear e faltando umas 3 horas para sair de casa peguei no sono. Esse foi meu descanso. Ouvi o celular tocar o alarme e acordei, levantei tonteante e atrasado. Só peguei dinheiro, coloquei uma roupa e saí. O dia estava fechado e já tinha chovido, foi um alívio, não queria sofrer debaixo do sol. Cheguei primeiro no pico, umas barras que tem na ondina, em frente à FSBA, e esperei por Gustavo, que veio correndo. 

  • O começo do desafio foi uma mistura de sentimentos bagunçados. 

Não sabia o que me esperava, só pensei em começar e terminar o mais rápido possível. Damos início ao desafio às 10:30, confiantes que acabaríamos antes das 19:00. Eu, Gustavo e João que estava com a gente, mas fazendo seu desafio de barras. Começamos e cada um foi anotando suas repetições em um caderninho. 

Eu e Gustavo concordamos em fazer 2 repetições por minuto e continuar assim até onde fosse possível. Foi assim, de dois em dois, e logo passamos dos 100. A mão de Gustavo, rasgada, já tinha mostrado que não seria fácil manter o corpo intacto. Entre os 200 o sol resolveu aparecer junto com Felipinho e Wesley e o desafio ganhou mais energia. Minha mão, ainda estava bem, sem calos abertos ou dores, mas eu sabia que não seria assim por muito tempo. Passando pelos 300, eu já tinha perdido muito líquido e estava sofrendo com o sol que tinha ficado mais forte. Chegando nos 400, o peso do corpo já parecia ter aumentado e a mão já parecia que iria se rasgar a qualquer momento. 




Enfim os 500 planches, estava na metade e meu corpo deu um leve suspiro. Já tinha percorrido a metade do caminho. Minha mão já estava com alguns calos abertos e algumas hora ou outra outros estouravam, não demorou e minha mão estava totalmente aberta. Comecei a beber mais água, mas ainda assim não recuperava, estava perdendo muita água e já me sentia fraco. Passando pelos 600 uma guerra que eu estava evitando começou a se levantar. Nesse momento eu comecei a sentir raiva, pensava em parar e cada repetição era como se eu puxasse o mundo junto comigo. Eu mal falava, só suava, sentava, dava duas respiradas e voltava a puxar dois planches. Foi assim até os 700, aqui eu e Gustavo paramos e descansamos 20 minutos. Resolvi tomar um banho na praia e deitar um pouco, burrice! A água salgada fez minha mão queimar em ardência. Deitado, só sentia uma vontade grande de parar por ali e voltar para casa. Uma parte de mim gritava com a outra, uma tentava jogar a outra no chão, uma tentava se impor a outra. Garrei no sono. Acordei com Wesley me chamando e de alguma forma, estava me sentindo melhor. 


  • Aqui, em direção ao fim, pensando em desistir, começou meu desafio. 

Aqui entre os últimos 300 planches começou meu diálogo interno e minha guerra pacífica. Aqui eu escolhi arcar com toda dor, todo cansaço e talvez com alguns danos físicos. Aqui eu escolhi o que eu seria e o qual parte de mim eu deixaria vencer. Aqui eu lembrei dos que já tinham feito, dos que estavam fazendo, dos que não quiseram fazer e dos que não puderam fazer.
Aqui eu resolvi suportar tudo, pelos que estavam ali comigo e porque ali, naquele momento, eu só tinha a barra e meus amigos. 

Eu já estava sofrendo e parar, sair, desistir não faria essas dores pararem. Meu corpo estava quebrado, mas meu espírito estava intacto. Consegui aumentar minhas repetições de 2 para 4 e até 5 e fui assim até os 900 planches. 

Juntos
Os 100 últimos. Então chegou o fim. Já tinha passado das 19:00 horas e eu não me importava mais com o tempo, estava desapegado de tudo, já tinha encarado e aceitado a dor em meus braços e minha mão não me incomodava tanto assim. Incomodava ver Gustavo exausto e cambaleante, cada repetição que fazia eu dedicava a ele. Eu sentia o sofrimento dele ao puxar a barra, sentia o cansaço dele e isso deixou minha última centena agoniante. Ele estava faltando alguns planches para chegar nos 900 e eu já estava fechando os tão esperados 1000. Faltando 30 planches resolvi não descansar tanto, fazia um, andava uns 30 metros e fazia de novo. Gustavo resolveu fazer o mesmo e assim, depois de 10 horas, eu conclui o desafio fazendo 1002 planches. 

Fiquei feliz, abracei Gustavo, mas não tinha forças para comemorar. Resolvi que faria planches até onde aguentasse para acompanhar Gustavo e assim continuei, não demorou muito e cheguei no meu limite e nesse momento meu corpo já não estava mais com Gustavo. Só minha mente o acompanhava naqueles últimos planches. Gustavo terminou umas 2 horas depois, exausto e emocionado. 

De fato, este foi o desafio mais duro, difícil, longo e cansativo que já fiz. 



Não o faria de novo, nem recomendo. É um desafio que não requer apenas um condicionamento bom, ele vai te minar e antes que perceba você já não terá forças físicas para se suportar em pé. Foi a maior batalha de minha vida, mas foi uma batalha que valeu a pena. Só consegui reforçar virtudes e ideias que tenho carregado comigo há algum tempo. Meu corpo, 20 dias depois ainda carrega as marcas nas mãos, mas já estou recuperado e sem lesões. Mantenho meu legado intacto, sempre que me colocar em prol de alguma coisa ou de alguém, seguirei, passo a passo, enfrentando minhas ilusões e meus medos, buscando alcançar o objetivo proposto. Uma ressalva, o desafio acabava nos 1000 planches, mas fiz um para a sociedade de parkour e outro para Gustavo que se manteve até o final comigo. 

  • Enquanto estiver vontade, meu espírito erguerá meu corpo, enquanto estiver vontade, mesmo com o corpo quebrado, eu me erguerei










Engole

a dor


Ergue-se

resoluto.


Impávido.

Sereno.

Bruto.


(Juliana Fajardini)

 
13 de mai. de 2015

Planches - 400: Parte I

Primeiro texto de Wesley em nosso blog. E, já de cara, um relato e tanto.

Dia 25 de abril havia sido marcado um desafio, e a seguir você vai acompanhar uma série de textos de quem passou por essa experiência.


Planches - 400 - Parte I

Texto por Wesley Santos

Ontem fui fazer o desafio dos 400 planches. Ou assim eu achei que este seria o desafio até chegar lá. Logo após cumprimentar meus amigos, fui questionado:

-“Vai fazer 400 ou fechar 1000 também, Wesley?”.

Bem, já estava ali, por que não tentar, né? Prontamente respondi que faria até onde conseguisse. E assim comecei meu desafio.

Cheguei atrasado, logo não foi possível começar o desafio junto com todos, porém tentei adiantar o máximo de repetições possíveis, para tentar ficar próximo pelo menos. Bom, não foi possível, assim como fui alertado por Felipe antes de começar, minhas mãos abriram. Pele, sangue e suor tudo misturado na mão, segurar na barra era uma tortura, então a envolvi com esparadrapos e prossegui, tentando agora acompanhar o ritmo deles: 2 planches a cada 1 minuto. Também não consegui, o esparadrapo se rasgou e mais uma vez voltei a fazer os planches com as mãos nuas. Sempre que era tempo de fazer uma nova repetição, já imaginava a dor de pegar na barra, algumas vezes esperava o próximo minuto para ir fazê-la. Mas sabia que descansar aquele minuto a mais não mudaria nada, meus braços, ombros e pulsos estavam ótimos, somente pensar em segurar na barra com os calos abertos me fazia hesitar. Sabia disso e lutava contra, mas sempre custava a levantar e puxar mais dois planches. 

Após algum tempo, João saiu para comprar suprimentos, pedi-lhe ataduras, e quando voltou, já fui colocando elas nas mãos. A dor não sumia com esta ajuda, mas era mais suportável e assim voltei a tentar seguir o ritmo imparável de Daniel e Gustavo, desta vez mais focado. Logo que eles desciam da barra, eu subia. O tempo voava. Ao descer e anotar a série eles já estavam subindo de novo, era desgastante pensar que já era hora de voltar pra barra, mas os números aumentavam gradativamente com aquele ritmo.

Completei 120, e a cada 30 planches precisava ajeitar a atadura, mas dava pra continuar. Cada série uma pegada diferente a fim de encontrar uma confortável, porém, não havia posições confortáveis então o jeito era continuar variando, desgastar um setor por vez das mãos.

Toda vez que necessitava ajeitar a atadura, perdia o ritmo. 1, 2, 5 minutos me preparando para pegar novamente na barra, mas voltava e continuava. 

Dois planches por vez e após algumas horas, mais de 3 só pra constar, alcancei os 300. Não sabia como ou se terminaria, chegava a ter calafrios quando tocava na barra, mesmo com as ataduras. Mas ao ver aqueles ainda com seu ritmo, imparável e constante, chegar na barra e sem hesitar puxar 2 planches, com as mãos nuas, foi o momento da revolta, o que fazia a dor deles diferente? Suas mãos estavam 3 vezes piores que as minhas e ainda assim eles continuavam. Automaticamente você pensa, qual será o macete? Parei este pensamento no momento em que ele passou por minha mente, e neste mesmo momento, também sem hesitar, puxei 2 planches, retos, como deveriam ser sem buscar uma posição mais confortável, ou coisa parecida.

Eu sabia que aquilo que pensei é uma negação do que eles acreditam, do que acredito, por mais que tenha sido um pensamento passageiro, pareceu-me uma ofensa para eles. Treino com eles há tempo suficiente para saber que não foram “pegadas variadas” ou “posições mais leves” que os levaram ao nível de foco que eles estavam e sim os seus esforços, tanto físico quanto mental. E por isto naquele momento decidi, não havia um talvez eu termine o desafio, não quando meus companheiros de treino já haviam completado os 400, e prosseguiam rumo aos 1000. Não, eu completaria sim o meu desafio e os seguiria até onde fosse possível seguiria aquele estado de espírito em que eles se encontravam até onde o meu espirito conseguisse.

Bem, meu espírito não se manteve por muito tempo, toda aquela onda de motivação se foi junto com o novo calo que se abriu, não parei, mas meu psicológico estava a desabar a qualquer momento, faltavam 40 e neste momento os meninos foram descansar, quando alcançaram os 700 planches. Eu não tinha mais porque puxar a barra, não tinha mais seu ritmo para seguir, tudo apareceu de vez, fome, sono, dor de cabeça. “Se você parar agora não há problema algum”, era o que eu me dizia. Mas por tantas vezes dizer a tantos amigos que já tinham passado da metade e que dava pra terminar, então era no mínimo minha obrigação terminar. Pensar isto não me motivou, nem um pouco, mas prossegui, de dois em dois, com descansos livres, mas ainda pegando na barra, sem pensar e puxar, não havia outra maneira de subir, sabia que no momento da hesitação a desistência da série era certa, como aconteceu algumas vezes. Aos trancos, cheguei aos 398, e as 16h59min terminei os 400, neste momento o descanso dos meninos findava.

Fiz mais alguns planches, pouquíssimos, já não tinha ânimo algum de continuar, ao ver Gustavo procurar esparadrapos e não encontrar, ofereci-lhe as ataduras, fiz 2 planches de mãos nuas e desisti. Sentei e esperei o termino do desafio deles.

Ficava cada vez mais difícil para eles, já os acompanhei em muitos desafios, e esta era a primeira vez em que eu via a dor em seus olhos e a dificuldade em completar o desafio. Algumas vezes achei que não seria possível completar, mas eles continuavam lutando.

Bateu 19Hrs, foi o horário que Daniel disse que já estariam descansando, mas não estavam, estavam chegando na faixa dos 900, e prosseguindo.

Às 21:00 Daniel terminou e às 22:30 Gustavo pagou seus últimos planches, alguns a mais, dedicados a alguns motivos dele.

Não havia alegria em seus rostos, pelo contrário.

Logo após terminar, Gustavo com lágrimas nos olhos desabafou: falou sobre sua experiência e sobre suas dificuldades naquele desafio que custou a ser completado. Isso aumentou a angústia que sentia ao ver a dor em seus olhos, ao vê-lo balançar os braços em busca de forças durante seus esforços. Queria estar ali com ele, subindo, descendo, uma repetição por vez, queria ser forte para acompanhá-lo até o fim, para que ele soubesse que aquela dor era compartilhada e que ele conseguiria, nós conseguiríamos. Queria um espírito forte o suficiente para fazer nem que fosse aquelas ultimas 100, que ele tanto sofreu para completar, mas não tinha, talvez tivesse forças, mas meu espírito estava quebrado.
Este espírito é o que eu quero alcançar, suportar o que for necessário para vencer os obstáculos, lado a lado dos companheiros que se dispuserem a seguir esse mesmo intuito. 
17 de abr. de 2015

Força e Técnica - Parte I

Escrito por Gustavo Ivo

Primeiro gostaria de dizer que não sei se esse é o momento certo pra eu escrever sobre isso, é um tema que não creio que tenho muito embasamento para falar, mas vou aproveitar o bonde de outros debates, pra compatilhar esses pensamentos.

Nos últimos meses tive uma mudança de comportamento com meus treinos. Depois de experiências que tive treinando em situações adversas, fora de minha zona de conforto, percebi que eu era extremamente fraco. Fraco fisicamente. Meu coração disparava, respiração descontrolada com alguns flows e corridas mais intensos, e não aguentava segurar o landing em drops um pouco maiores, entre outras coisas.

Além dessa percepção física, também houve uma percepção filosófica sobre parkour: por quê, para quê, treinamos? E nesses momentos vieram a minha mente o texto "Um chamado a luta" de Blane, em que ele questiona:

"Quando foi que fazer uma travessia de 30 metros pendurado com uma criança ficou menos importante que um salto qualquer de 18 pés com uma aterrissagem grotesca? Não tô nem aí pra seus saltos longos e barulhentos, aquele cara de 43 anos tem duas vezes sua idade e é duas vezes mais forte..e dropou de 2 metros em completo silêncio."

Quando foi que o parkour deixou de ser o desafio de chegar àquele lugar para ser o movimento? 

Daí comecei a achar um absurdo não conseguir atravessar um muro de cat, a subir e descer em árvores, a correr 10km...coisas que deveriam ser, ao meu ver, básicas pra uma pessoa, porque reflete nossa condição biológica física a qual fomos condicionados durante tantos séculos passados. Comecei a fazer umas comparações malucas (coisas que não necessariamente foram reais historicamente), como imaginar os super treinos dos guerreiros da antiguidade, espartanos, monges, as condições em que guerreiros corriam dias, batalhavam 12h por dia sob sangue, suor, fezes..e com o risco real de perder a vida a qualquer momento... E eu aqui não consigo me pendurar nessa porra de muro por 2 min? Isso me frustrava


A partir daí comecei a colocar rotinas físicas num nivel muito maior que antes, caba machos todos os dias, sallys, estáticos de dezenas de minutos, desafios com centenas/milhares de repetições, corra pop corra,tabatas, air alert, etc...


Treinozin com Dan Danvis...

Imbuí

E, pra chegar no ponto desse texto, eu senti uma perca grande na técnica dos movimentos do parkour. Não consigo mais direito pensar as relações com o espaço, explorar, saber onde chego na precisão ou não, a fluidez dos vaults. Essas coisas enferrujaram. Eu já sabia que isso ia ocorrer, mas, por escolha e identificação, resolvi sacrificar essa parte por outra.

A minha mentalidade do parkour saiu um pouco desses aspectos de exploração do espaço para a "resistência, sobrevivência, autonomia, utilidade".

Não treino mais na rotina flows, precisoes técnicas, vaults..minha cabeça e corpo pensam melhor voltadas puma coisa de cada vez. E até porque não tenho vontade, já não me admira tanto o movimento per si. Então eu sinto que agora não é o momento de treinar essas coisas, mesmo que houvesse uma forma de conciliá-los, esse "desequilíbrio" é a busca por equilíbrio.

Gosto de pensar que estou reformando a base da pirâmide, maior a base, maior a pirâmide.

As técnicas são repetições e estudo. É algo que posso reconstruir de forma mais independente, demora, mas não requer tanta pressa quanto essa base física (a qual é mais dependente, por causa do "envelhecimento") . Questão de fazer meu corpo relembrar. A refinação e polimento podem demorar mais; mas vejo a questão física muito mais demorada para se construir.

Sacrifico a técnica em prol da força. Mas, acima de tudo, acho que essa forma de treino foi moldando outra coisa dentro de mim: o espírito.

Mas aí já é papo pra outro texto...


17 de mar. de 2015

Fala Tracer! Bidigo

Mais um "Fala Tracer!", uma coluna aberta a qualquer praticante da cidade pra falar sobre parkour de seu jeito.

Dessa vez, com nosso velho Bidigo.

Primeiro, gostaria de dizer que bidigo é babaca. Idiota. hahah Brincadeiras à parte, é difícil ver um comentário dele a sério. Mas de vez em quando ele diz umas coisas que valem a reflexão. E por isso eu roubei esses comentários dele de um tempinho atrás e resolvi postar aqui. 

Bidigo começou a treinar na mesma época que eu (há mais de 6 anos), e apesar de não treinar mais, ainda carrega um pouco do espiríto do parkour em sua vida.

Sem mais, seguem abaixo os comentários dele. Vale destacar que foram dois comentários de momentos diferentes, sem ligação direta entre um e outro, mas que acabam se conectando. Revisei pouco do texto dele, então, tá bem "jeito bidigo". 

Texto por Bidigo
Revisão por Gustavo Ivo




É o seguinte, nossa geração não foi a geração de tantos giros e de tantos vídeos. O que acontece hoje com a nova geração é um cara (que quer começar a treinar) que vai procurar um vídeo de parkour e chega lá e bota no youtube "parkour". Por ironia do destino cai um vídeo de shade... pronto, esse cara tá fudido se não tiver uma orientação boa ou uns caras que cheguem para ele e falem: - vei, isso não é "parkour"; e expliquem todo fundamento por trás dele.

O que fez nossa geração se apaixonar pelo parkour talvez tenha sido aquele espírito guerreiro que veio de Belle. Quem não se lembra do desafio do kalenji? Pois bem alguns aqui até participaram, mas duvido muito que essa geração dos vídeos esteja disposta a tal coisa. Creio eu que o que diferencia um iniciante de hoje para um de 05, 06, 07 anos atrás é essa vontade de ir até o final, de "eu vou fazer até acabar". Ainda existem uns que chegam assim dessa nova geração, mas são 10 em 100; a maioria quando sente a primeira fadiga depois de 05 min de quadrupedal, já tá arriado, saindo de fininho para fazer outra coisa. Acho que por isso esse cara não ganha um amor diferente pelo parkour, talvez até se encante, mas ter um amor acho que não.

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O parkour de hoje é muito diferente do parkour da nossa época e o da nossa época já é diferente que o dos primeiros caras daqui de salvador; como fallux, thiago xxx, luã, etc. Creio que o parkour em geral vêm a cada época se modificando e se adaptando às novas técnicas, modos de fazer algum movimento, assim como também tem movimentos que foram esquecidos nessa caminhada: técnicas que apareceram que não tem nada a ver com o fundamento em si do parkour -  aquela velha história do ser forte para ser útil.  Mas isso foi há,  sei lá, uns 10, 12 anos atrás em que a comunidade do parkour pensava basicamente da mesma forma, e hoje tá mais para " ser bom para botar no vídeo". 

Aquele espírito do parkour de antigamente poucos ainda hoje o possuem. Por outro lado, não acho que seja errado um cara girar ou fazer um monte de coisa que não serve para nada. Desde a minha primeira aula eu ouvi: "no parkour você é livre". Mas, pera aí, se eu sou livre por que tenho que me adequar a uma parada que meio que banaliza os giradores? Acho estranho que essa liberdade no parkour seja só para quem não "gira". Claro que em uma situação de emergência ninguém vai dar um salto mortal etc etc etc vai seguir seus instintos e vai fazer um monte de coisa que já treinou no automático.

É meio complicado, um lado sempre vai falar que está certo, mas o parkour ainda é uma criança, só começou a engatinhar para se dizer o que é certo ou errado. A história de "fazer físico, repetições de movimentos etc" como certo e é errado "girar", basicamente é isso. Mas, sei lá, cada um pensa de uma forma e não quer dizer que um dos dois lados esteja totalmente certo ou totalmente errado. Talvez  os dois estejam certos ou os dois errados, aí vai da cabeça de cada um..





11 de mar. de 2015

Desafio de Hércules

Texto por Gustavo Ivo
Revisão e fotos por Juliana Fajardini


27/fev de 2015

O que poderia ser uma sexta-feira normal para muitos, tornou-se um dia épico para quem compareceu no Imbuí. 

Dia de realizar o Desafio de Hércules. As 12 tarefas que os deuses fizeram para rir de você.




Pessoalmente, não era a primeira vez que ia encará-lo, já tinha o realizado antes. E, por isso, a preparação psicológica nos dias anteriores foi intensa. Às vezes, não importa quantas vezes você realize algo, algumas coisas "never get easy" - nunca ficam fácil. 

Começamos com quase 10 pessoas um pouco depois das 19h. Com o passar dos primeiros tiros de 100m, mais alguns chegaram.

Foi bom perceber que, desde o início, a maioria estava disposta a encarar o desafio. Vieram preparados. Os exercícios foram passando e, diferente dos outros que participei, a galera tava mais focada, não lembro de ouvir mimimi ou desculpas. Quem percebia que não ia continuar, simplesmente se retirava. Não precisava justificar pra ninguém. 

Ao mesmo tempo que havia um clima descontraído e familiar, a gente atrapalhava uns aos outros no agachamento, dificultando. Pressionava uns aos outros um pouco nas barras, na zoação, e assim foi.
burpees..



Aqui tenho que ressaltar que tive dificuldades nas precisões, não pelo número de repetições, mas as que estávamos fazendo requisitavam mais atenção e foco, senão poderíamos nos machucar. Muitos sentiram isso também, eu mesmo já tava começando a escorregar no meu próprio suor que se espalhava pelo pé e a cada precisão deixava mais escorregadio o muro.

De modo geral, as coisas fluíram bem até os climbs e planches, o cansaço muscular, suor e cãibras (vide werley e lucas hahah) já tinham sido internalizadas.


Climbs. Pra mim, senti-me fraco e um lixo, mas não podia reclamar. Não ao ver lucas climbando quase mordendo o muro, climbava com o cotovelo, descia pro cat, subia de novo, descia pro cat, subia de novo e de novo. 


Planches. No primeiro planche, werley não conseguiu nem subir na barra. No segundo, não subiu de novo. Na terceira, puxou o capiroto e subiu na raça. Uma repetição. Foi tentar fazer outro, os músculos não respondiam. E assim foi, de um em um, dois, três… parar não era uma opção

Não posso deixar de falar, mas a gente riu muito nesse momento. Não por ridicularizar, mas por todo mundo se identificar com esse momento de certa forma, aquele momento em que você acha que vai subir com tudo e os céus dizem: "DESÇAAA! Ninguém vai subir nessa porra não!"

Na parada de mão, morremos de rir juntos ao ver lucas ter uma cãibra no meio do ar, quando tava subindo. E wesley, que deve ter tido cãibras pela metade do corpo. hahah 

Momentos de sofrimentos juntos que vieram com doses de felicidade e amizade.


Enfim, os quadrupedais. 1km.

Diferente dos outros que participei, muitos chegaram até aqui. Aguardamos para começarmos juntos. Sabendo que no momento que um puxasse, todos começaríamos, ficamos uns dois, três minutos esperando. Não sei se esperando todos se sentirem preparados, mas aí, do nada, cabrine agachou e começou. Todos descemos na hora. 

Falar um pouco mais de minha experiência agora. Brunin fez os primeiros 100, logo depois cheguei. Cheguei e comecei a voltar já; brunin veio na hora. 200, respiramos, voltamos. 300, respira, 400, respira. Assim até 500. Nesse momento, quando íamos fechar 500… brunin: "Guh, chegar lá, bate e volta". Ao voltar, ainda no início, brunin: “Guh, se eu disser pra chegar, bater e voltar, você diz o quê?" (risos) "Eu não falo nada.", respondi.

Naquele momento se concretizou o que já estávamos sentindo desde o início: eu e brunin íamos acabar juntos. Não tinha mais eu ou ele, éramos o nós que iria até o fim. Vocês não sabem o quanto eu xinguei ele toda vez que ele dizia esse bate e volta. Tive que parar pra respirar alguns segundos algumas vezes, mas toda vez que eu fazia isso, pensava: "essa dor não é só minha"; "se eu não parar, ele não vai parar". Nossos punhos começaram a sentir um pouco, as pernas queimando direto… mas, em silêncio, juntos, continuávamos. Em certo momento ele disse: "um passo atrás do outro". Esse é um dos principais ensinamentos desses desafios longos. Não adianta se desesperar pelo futuro, pelo que tá lá na frente, é um exercício após o outro, uma repetição de cada vez. Em um momento você chega.

Nos últimos 100 metros, quando quase no fim, ele completa: "já que tamos muito cansados, vamo dificultar e ir mais rápido" (leia-se mais rápido, um pouco mais, não é aquela velocidade que "mascara" a dor). Aqui eu xinguei muito. Hahah Começou a arder a porra toda até o último centímetro que faltava. 

Quando acabamos; depois de descansar uns poucos minutos, percebemos que não éramos só nós a concluir juntos. Descemos e fomos acompanhar os outros, dentro de nossos limites. Lucas com as bolhas, dan dan suando que nem a peste e mão cortada, cabrine com a mão fudida tb, juh e werley que começaram juntos e tavam na mesma sintonia. Assim como eu e brunin, era "Wesley, vsf, eu te odeioooo!" por juh a cada passada no quadrupedal. hahah

Juh, que não ia fazer o desafio com a gente, fez o próprio treino e depois acompanhou observando de perto, teve que entrar na brincadeira. O que começou com um "Faça 100m com a gente"; fechou em mais de 1km no fim. Se puxamos ela, ela, pela força de vontade, puxávamo-nos em dobro a continuar. Esse é o espírito do parkour, resistir, persistir, ajudar, compartilhar. 

Cada força que fazíamos em nós mesmos, era um pouco de força que dávamos para os outros também. Demorei para entender no parkour o que significa "ser forte para sermos fortes juntos". Tinha que ser forte pra passar essa energia pros outros. A força é do grupo, compartilhada, se um está fraquejando, nos limites, temos que ser ainda mais fortes por ele.

Os últimos 100 metros, é difícil descrever. Cada um que completava 900, voltava e acompanhava quem ia fechar os 900. Uma vez, duas, três, até estarmos faltando a última ida.

Antes de sair, curiosamente, conversávamos sobre um assunto qualquer, cotidiano. E aí, descemos e fomos. Acompanhei mais cabrine e dan, que tavam mais atrás. E finalizamos. Muitos pela primeira vez tinham terminado. Nunca tinha visto tantos acabarem também.

Ainda faltava um guerreiro. Felipinho, que começou os quadrupedais depois, ainda faltava 200m. Na última ida dele, voltamos, pra terminar, dessa vez sim, todos. Ninguém vai ficar pra trás. "Start together, finish together" - Começamos juntos, terminamos juntos. Uma frase que só pode ser compreendida se vivida.

Preciso lembrar e chamar atenção pros dois iniciantes que fizeram quase todo o desafio. Primeiro contato com o parkour, e se mostraram determinados. Demoraram mais que a maioria, mas persistiram. Aguentaram.

Completar o desafio era o de menos. Treinar focado, determinado, sentir-se forte e fraco, trocar dores, frustrações e êxitos - e se divertir -, isso é parkour. 

Nem lembro mais que horas acabamos, creio que devia ser quase meia noite.

O fim?

Risos. Por causa de uma ideia imbecil, digo logo de dan dan, acordamos (mais imbecis ainda em concordarem) que faríamos 5km de corrida depois do Hércules. Eu, dan dan, cabrine e brunin. 

Nas primeiras centenas de metros, comentei com cabrine: "taquepariu, pernas fodidas, vou num ritmozinho de trote aqui". Logo depois, ao lembrar de tudo que passamos, pensei: "foda-se". E estourei o ritmo. Brunin, eu já sabia que viria (hahah), veio logo depois me acompanhar. Quase em total silêncio durante a corrida, mas novamente juntos em espírito, finalizamos juntos. Meia noite, correndo, nem víamos dan e cabrine mais, mas sabíamos que eles estavam fazendo também. E mais dois planches para todos, pra assinar o fim. 

No final não haviam troféus, medalhas ou glórias, flores, tvs ou reconhecimento vindo de um público espectador. Não. Haviam dores, bolhas, cicatrizes, suores, cansaço. 

E os melhores momentos da minha vida.
Uma família. 

Eu sei que não preciso dizer isso, mas muito obrigado. Muito obrigado a todos que fizeram o desafio, com êxito ou não. O espírito ainda existe. E, como ouvi de um amigo esses dias: "um sonho só morre quando você deixa ele morrer dentro de você."

- Vídeo curto desse dia


4 de mar. de 2015

E se eu nunca conseguir aquele pulo?

Texto e fotos por Juliana Fajardini
Grifos por Gustavo Ivo

Parkour. Uma dúvida, um desafio - serei capaz de fazer as coisas? Eu vejo os vídeos de parkour, ou vejo as pessoas fazendo precisões mais distantes, ou cats que exigem não apenas técnica, mas um certo desafio ao senso de integridade física, uma força física maior, sei lá. E batem umas travas. Desacredito-me. Essa foi uma das razões que me fizeram não ir atrás do parkour, por muito tempo. Medo de não ser pra mim. De eu não ser capaz de fazer esses negócios. O corpo não ser capaz de. A cabeça não ser capaz de.

De repente, um dia, fui praticamente puxada pra um treino, o que fez com que não parasse pra pensar muito nesses receios e simplesmente fosse. Daí o treino não exigiu que eu fizesse coisas impossíveis. Só... difíceis, em termos de resistência e força física, talvez. Ou que eu aceitasse "sofrer" um pouco. Ok. Isso eu consigo. Eu fiquei toda quebrada por alguns dias. risos. Mas não me senti incapaz. Senti que... precisava melhorar. Que queria ser mais forte. E assim eu achei que dava pra tentar mais um treino.

Ao invés de força, dessa vez exigiram agilidade, equilíbrio, coordenação. E atenção para entender movimentos básicos. Fui fazendo e sentindo onde funcionava. Onde não. E que queria repetir mais uma vez. Parar o treino para treinar (risos). E daí eu quis ir de novo. Pra melhorar o que era mais natural ou gostoso fazer. Pra entender o que tava ruim no que tava fazendo de modo travado.


Quando estou nesses momentos, nos meus pequenos desafios, os pequenos degraus... Os saltos distantes se diluem. A força ou habilidade que os outros têm ficam mais como exemplo, ou inspiração, ou feedback. Deixam de ser um lugar a que eu talvez não chegue. Tou tão preocupada em conseguir pisar sem o calcanhar tocar o chão que a precisão pra barra deixa de preocupar. Uma hora dessas, quem sabe, talvez eu chegue lá. Agora eu quero fazer quadrupedais pra ganhar força no abdômen, braços, pernas. E repetir as precisões e os cats até cansar. Se eu me afasto disso, e vou olhar os outros, por muito tempo… Os medos voltam. Mas geralmente eles duram até eu encontrar um obstáculo que acho que consigo ultrapassar. xP

Senti vontade de escrever sobre isso porque outro dia a irmã de um brother que pratica parkour apareceu no treino. Perguntei se ela tinha vontade de treinar. Ela respondeu que tinha curiosidade ou interesse, mas que não sabia se o corpo dela conseguiria fazer “aquelas coisas”. E isso me lembrou meus receios e bloqueios, e me dei conta de que, apesar deles, lá tava eu, tentando.

Escrevendo esse texto, penso que acho que rolam uns flows internos. O parkour é pra dentro. Aonde você vai com ele é o caminho que você “escolher” seguir. Sei lá. Quero dizer. Talvez eu nunca faça as coisas que meus amigos que treinam há anos fazem. Mas meu corpo tá se mexendo de um jeito que eu gosto. Dentro e fora. E tá se desafiando. Cheio de curiosidades.

O Brunin, que dizem as más línguas se chama Bruno Reis, lendo esse texto, alumiou: Com o Parkour, pequenos saltos podem ser grandes obstáculos ultrapassados. É… Acho que sinto isso. Cada um sabe de seus desafios…



Pra fechar… Essa percepção de que em algum momento eu paro de me preocupar bateu enquanto escrevia o texto. O dar-me conta disso. Acho que alternar os treinos de força/ resistência (psicológica) com os treinos de técnica (repetir, repetir, entender o que tá ruim, repetir) funciona pra mim. E ir construindo em cima dos treinos, raciocinando, internalizando. Cabeça e corpo vão aprendendo.

E percebi só agora que não me preocupo quando estou lá. Às vezes o que os tracers antigos fazem passa pela cabeça. Mas no geral tou muito ocupada pensando na posição do meu pé. risos

Metros não medem a distância de um salto no Parkour.
27 de fev. de 2015

Desabafo

Texto por Gustavo Ivo

Primeiro gostaria de dizer que escrevi tudo isso emocionalmente e na impulsão, o que era um comentário, acabou virando esse texto-desabafo. E acho que é meu primeiro texto direcionado totalmente pra comunidade de Parkour em Salvador. 

Não vou me delongar, mas antes de começar, esse texto se iniciou com referência a esse outro texto: Um Chamado à Luta. Aproveitar a agradecer ao próprio Chris Rowat "Blane" pelo texto e à Eduardo Rocha "Duddu" pela tradução.

Desabafo


Li esse texto com mais calma agora. E estou chorando. chorando.
Arrepiei do início ao fim e parece que a cada linha que lia, desafogava algo apertado no meu peito. 

Acho que esse texto só vai fazer mais sentido pra quem já tem alguns anos de caminhada no parkour.

Como diz blane, nossos valores estão sendo corrompidos. Muitas coisas foram construídas de bom nesses últimos anos, mas não posso negar essa sensação ainda nebulosa de que algo está se perdendo, está sendo abafado. Algo que me fez apaixonar pelo parkour. Algo que me mudou. Algo que transformou aquele mero conceito de superar obstáculos em algo muito maior em que qualquer palavra é insuficiente para descrever. 

Lembro na minha pele o que a gente passou junto. Eu com vocês, eu e os muros. Os momentos em que passávamos uma tarde inteira polindo movimentos, treinando até não conseguir levantar, treinando ainda mais por alguém que já não tinha tanta força, treinando porque aquilo nos mantinha vivos. Unidos. 

Até hoje eu lembro da porra do desafio dos kalenjis. Em que compartilhamos de calos abertos, suor, cansaço, limo na parede, chuva durante a tarde toda. Lembro que desisti nos 80. Desisti, assim como mais alguns, mas aquilo não importava. A energia era uma só. Vi vitinho e bruninho batendo 200+ climbs. Vibrei até o fim. 

Lembro do desafio de tartaruga que eram duas voltas de quadrupedais no costa azul, uns 1400m no total.

Lembro de quando fazíamos precisões e só contava quando todo mundo (uns 15) acertava, senão zerava tudo. E aquela precisão pra barra em conjunto na bahia gás?

Ou então aquela precisão bestinha, de um meio fio pro outro ali nas barras do costa azul, começou com fazer 10 seguidas sem cair. e as semanas passando...depois 30. depois 50. meses,anos...100. Porra. E ainda tinha que pagar flexão se errasse.

E as corridas que fazíamos do costa até lá quase no sarah e voltar, só pra aquecimento. Quem pode mensurar quantas km de quadrupedal já fizemos na porra daquele círculo do costa azul? Quantos calos foram abertos no sol ali? 

Quando fazíamos quadrupedais na escadaria, aquelas dezenas de subidas e descidas de um pé do capeta, saltos no anfiteatro, tantas variaçõeos de cats e quadrupedais no muro do anfiteatro. Aquela areia do costa, quantas vezes carregamos uns aos outros ali? quantas vezes caímos juntos? quantas vezes xingávamos uns aos outros como incentivo pra continuar, quantas vezes aguentamos mais do que imaginávamos juntos por uma pessoa? 









O parkour de hoje é outro, valoriza outras coisas e outras prioridades. A exibição, os saltos grandes, os vídeos, os vaults modas, os flowzin, as invenções loucas...porra. Legal, beleza, mas cadê tudo isso aí de antes? Cadê a repetição até o talo pra fazer uma aterrisagem silenciosa? Cadê os climbs até estourar a mão só pela busca do aperfeiçoamento pessoal? Cadê o sacrifício pelo outro? Cadê a tremedeira e suor por carregar alguém? Cadê a VONTADE de VIVER parkour?

Sinceramente (e aceito uma arrogância a essa altura do campeonato)..aos que estão chegando agora, não generalizo( graças a jah há exceções), mas vocês não sabem o que é parkour. E, pior, ignoram tudo que foi construído. E por isso, muitos de vocês podem perder uma oportunidade de transformarem suas vidas.

Durante esses anos vi muitos focarem na parte estética, nos flows, nos kongs e tal...e pararam. Foram fazer outra coisa. Não acharam e nem buscaram a essência do parkour. Foi só mais uma atividade legal de pular de um lugar pro outro. E só. Não foi uma ferramenta pra te fazer alguém melhor, a se conhecer, a destruir seu ego e a construir uma coisa chamada altruísmo. 

Sinto que hoje muitos das antigas, pelo menos eu, estão na dúvida. Duvidam de si mesmo, se devem continuar nesse caminho de repassar o parkour a frente. E eu reconheço, está difícil. Praticamente não reconheço esse parkour mais. Parece até que sou eu que não pratico, sou eu que tô errado e não entendi nada esses anos todos. 

Acho que até entre nós mesmos mais antigos está difícil a convivência. Alguns escolheram se isolar, outros se afastaram por conflitos. E a maturidade e vários outros fatores abalam nossos treinos pessoais também com o tempo. É compreensível. Mas àqueles que querem viver novos tempos. Tempos grandes e bons sim. Tempos em que o parkour pulsa em nossas veias a cada minuto do dia. Em que você espera ansiosamente para encontrar essa comunidade, esses muros... Você não está errado, você não é inferior, o que você aprendeu deve continuar vivo, você pode fazer algo maior. Reforço a chamada de Blane: "Treine como você acredita que Parkour deve ser treinado".. 

" e se você quiser repetir aquele pequeno salto, aquele com um ângulo complicado, para uma parede coberta de limo. Se você pretende treiná-lo até chegar o dia em que você poderá realizá-lo com os olhos fechados... então meu caro amigo, você não está sozinho! Eu quero repetir esse salto com você! Mas vamos fazer 50. Só pra ter certeza. E um a mais por aqueles que não podem se juntar a nós. "

Mas vamos fazer 50. só pra ter certeza. e UM a mais POR AQUELES que não podem se juntar a nós. Puta que pariu. tô digitando e chorando. 

Eu não quero que isso perca. Eu não vou deixar isso se perder. As pessoas que passaram pelo parkour em salvador e que carregaram, sem nem perceber, tanto desse espírito; eu vou lembrar de vocês. Carregarei vocês juntos pro futuro.














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